Gaiola de ouro

possível inalcansável


Gaiola de ouro

Tinham tudo para ser um casal. Só não sabiam o que fazer com tudo isso para ser o casal que desejavam ser. E não desejavam o impossível, como algumas pessoas insistem em fazer. E justamente por desejarem o possível sofriam e sofriam diante do dever. Ora, se algo é possível, por que não tentar? Acontece que, ao sofrer, o possível tornava-se inalcançável. Por razões invioláveis, como o próprio tempo, estariam fadados a buscar o possível no ritmo errado. Transtornados pelos próprios pensamentos suicidas, aqueles seres que nunca viriam a ser um casal dormiam lado a lado, em silêncio, em uma paz forjada pelo efeito de anestésicos. E acordavam dizendo, as vezes, tudo o que não viviam, mas gostariam de viver:

“Bom dia amor da minha vida.”
“Bom dia, meu bem.”

Um beijo na testa encerrava a mais profunda frieza. Ali mesmo o dia já havia acabado. Em seguida, tudo o que aqueles seres tinham consumia-lhes todo o tempo. Sobrava muito pouco para si. Como resultado do que lhes era tão caro, das obrigações, do dever, deixavam o prazer, preferindo mascarar e invalidar seu próprio sofrimento. Nesse sentido, sabiam exatamente o que fazer para que os outros pensassem que estava tudo bem com o “casal feliz”. Escondendo os sentimentos, choravam encolhidos no banheiro. Ao pensar que tinham tudo e viver sobre esse mundo, não se permitiam reclamar nem buscar alternativas. Soberbos, lado a lado, só se permitiam sofrer sem saber o porquê.

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Rafael Picanço, 4 de Novembro de 2019.