A comunidade científica deve trabalhar prioritariamente para evitar os riscos iminentes e longínquos que ameaçam a sobrevivência da humanidade. Para tanto, deve superar sua corrida de pessoas contra pessoas, afim de se dedicar a corrida conjunta contra as armadilhas da natureza. As pressões culturais capazes de selecionar naturalmente a ciência do segundo tipo não devem ser a excessão, mas uma constante na sociedade que a sustenta.
Da natureza celeste e de seus riscos longínquos
No nível das grandes entidades celestes, não há risco iminente de extinção da humanidade no curto prazo (300-500 anos). No longo prazo, as predições mais pessimistas colocam as catástrofes ocorrendo na ordem de bilhões de anos a partir de nosso tempo. Ora, então por que se preocupar? Para que se preocupar com a colisão entre a nossa Via Láctea e a galáxia Andrômeda (prevista para daqui há 6 bilhões de anos)? Para que se preocupar com a morte do sol (4.5 bilhões de anos)? Alguém poderia contestar dizendo “mas a terra sairá da zona habitável bem antes disso” (1,75 milhão de anos). Bem, convenhamos, milhões de anos… isso ainda é muito, muito tempo. Note, porém, que uma catástrofe colossal exigirá, caso a humanidade sobreviva até lá, esforços igualmente colossais para evitá-la.
Mais iminente é o risco de colisões com algum dos asteróides que estão ao nosso redor. Esse risco depende da quantidade de asteróides, de seus tamanhos, rotações, velocidades e, consequentemente, suas potenciais rotas de colisão com a terra. Isso nos obrigará a desenvolver uma defesa contra os chamados NEA (near earth asteroids) que oferecem risco de colisão no curto prazo. Pode parecer contra-intuitivo, mas as iniciativas atuais mais promissoras, ao invés de afastar, tem o objetivo de aproximar os asteróides. A mineração de asteróides pretende trazer alguns NEA de baixo risco para a terra prevendo retornos financeiros e de conhecimento.
Mas ainda assim, seria o risco de queda de asteróides razão suficiente para se aceitar a ideia de que a comunidade científica deve trabalhar prioritariamente em prol da sobrevivência da humanidade?
Da natureza humana e de seus riscos iminentes
Creio que não, pois os maiores riscos não estão lá fora. Estão dentro de casa, no nível do comportamento humano coletivo. O colapso humano já pode ocorrer por meio do armamento nuclear montado ao longo de nosso tempo; a humanidade pode literalmente decidir se destruir a qualquer momento, pressionando alguns pares de botões. Neste sentido, a competição desmedida entre nações pode levar a guerras sem caminho de volta.
O colapso também pode ocorrer por meio de uma competição destrutiva em outras esferar da vida. A corrida insensata por recursos naturais e o consumo desenfreado tem trazido mudanças climáticas globais que ameaçam nossa saúde, como o aumento da temperatura, dos índices de poluição e super populacão. Se esse cenário persistir, afinal, seriam as grandes empresas e estados os responsáveis pelo avanço necessário ao prolongamento da vida na terra (ou fora dela) ou os responsáveis pelo seu encurtamento?
A corrida desenfreada por notícia e conhecimento só é limitada pela sofisticação do armazanamento, processamento, acesso e compartilhamento de informação. Essa corrida tem gerado um oceano de informações. Tem favorecido tanto o desenvolvimento de novos métodos (Big Data) de produzir sentido a partir de um conjunto de dados quanto de novas maneiras de se perder. Quando as informações são sobre pessoas, é possível se perder sobre a privacidade/espionagem de nações inteiras. Seria esse o estopim de um colapso de escala global?
A corrida violenta por liderança moral, aquela empreendida e perpetuada por líderes religiosos inconsequentes e mentirosos, também gera competição desenfreada, atraso e retrocesso. Sob o pretesto de promessas futuras, isto é, da venda de produtos invisíveis e sem garantias (seja a salvação, ou 72 virgens, ou uma família eterna, ou a felicidade plena, etc.), o objetivo de tais líderes não passa, meramente, de se perpetuarem no poder e de usurparem os recursos e a força produtiva de gerações e gerações de seguidores. Seriam essas as culturas responsáveis pelo encurtamento da vida em escala global? Se sim, seria irônico pensar que nem mesmo o dito “quando a esmola é demais o santo desconfia” prevalece quando a esmola vem, supostamente, de Deus.
Competição saudável
Os cientistas, obviamente, não estão fora de tal mundo competitivo. Eles não devem, entretanto, se deixar levar por competições de menor grandeza. Há uma aparente tranquilidade ao longo da vida moderna. Mas sem regras, isto é, sem uma cultura preventiva, focada no prolongamento da vida, as pessoas tendem ao imediatismo auto destrutivo. Elas passam a dedicar tempo e esforço diligentemente apenas na iminência do caos ou apenas após a ocorrência do desastre.
Mas como aumentar as chances de uma competição saudável? A resposta está na organização da sociedade e na engenharia cultural.