Tudo está mudando

filosofia de boteco e o devir nas ciências


Texto em construção.

Tudo se move, exceto o movimento, Heráclito de Éfeso.

O presente texto procurou:

  1. definir o que é “mudança” no contexto da ciência.
  2. definir o que é “constância” no contexto da ciência.
  3. manifestar uma visão de mundo na qual:
    • tudo, inclusive o nada, pode gerar mudança em algum nível
    • apenas o que é “mudança” pode ser conhecido cientificamente
    • a constância em seu limite, ao determinar o que é imutável, determina as possibilidades do que não pode ser conhecido cientificamente
    • pode haver mudança sem movimento

Pode, também, ser entendido como um “experimento mental”, nada exaustivo, que procurou estar alinhado com as leis da natureza e da lógica de nosso tempo.

Um observador contemplando o universo.

Como saber se as coisas estão mudando ou não? Quando olho para o céu noto as estrelas piscando. Ao apurar os ouvidos, os sons de meu próprio corpo não me deixam um segundo sequer em silêncio. As pessoas ao redor sempre estão se movendo e, quando param, permanecem respirando, com as veias palpitando, com a pele descamando, com os neurônios morrendo. E todas essas partículas, quase invisíveis, flutuando pelo ar, que ficam nítidas refletidas pelos raios de sol entrando pelas frestas do momento, para aonde vão? Elas vão e voltam ou vão e vão para aonde eu não sei. Neste momento, de acordo com a experiência sensível imediata, tudo o que há parece estar sempre mudando.

Em seguida, contrariamente, percebo um escuro fixo no céu. Percebo que logo antes de dormir, impera um profundo silêncio; o sentido auditível momentaneamente inativo. E ao acordar, as pessoas ainda são pessoas, a despeito de estarem andando, respirando, nascendo ou morrendo. E todas as partícular são as mesmas partículas em acordo com o seu comportamento. Neste momento, de acordo com a experiência sensível imediata, tudo parece imutável.

Concluo, então, que a aparência sensível imediata não seria um bom critério de conhecimento.

Ao abrir o jornal científico, leio o seguinte “Todo conhecimento é temporário”. Os próprios cientistas parecem reconhecer que nem mesmo as leis das pessoas sobre a natureza se fazem e persistem tanto quanto a própria natureza mudando. Pois se a natureza está mudando, e as leis são sobre a natureza, nada mais natural do que as leis sobre ela mudarem também. Me ocorre, então, que a lei tanto pode mudar em um nível humano quanto em um nível natural, ou real, chame como preferir. No nível humano, mudam como as verdades temporárias e circunscritas pela história de um tempo, como palavras jogadas ao vento. No nível natural, mudam como as forças desde a origem do universo que fazem as fórmulas perderem seja o sentido seja o valor das constantes.

E mesmo a imaginação que é capaz de especular sobre um mundo ao avesso e imutável não resiste ao devir da mudança, pois em si mesma está repleta de meditação ou pensamento. A máquina humana, tanto software quanto hardware, não está imune ao efeitos do tempo. Como toda máquina, tem uma vida útil, inclusive no pensamento. Mas por que permanecer no limite de um único observador?

O universo “contemplando” a si mesmo

A relatividade tanto trouxe novas soluções quanto novos mistérios. Para um observador externo, a luz se movimenta (se propaga) pelo vácuo a uma velocidade constante. Ela demora ~8 minutos ao viajar do sol à terra. Mas do ponto de vista da luz, assim como para outras ondas-partículas eletromagnéticas, não há espaço-tempo. Não há distância e o tempo para, literalmente. Este é um caso extremo do que tem sido chamado de dilatação do tempo, pois a tal viajem demora 8 minutos para o observador e 0 unidades de tempo para a luz.

Mas mesmo não havendo espaço-tempo, mesmo não havendo movimento, poderia a luz estar mudando em algum outro quadro de referência? Ou a luz é imutável de seu próprio ponto de vista? Não sei ao certo. Entretanto, ao conservar energia, parece evidente que a luz ainda possuiria uma temperatura. Não é inconcebível também pensar a luz como um campo em si mesma. Bem, algo é certo, quando houver evidência, haverá mudança sem movimento, sem espaço-tempo.

Existiriam outras dimensões? Mas e as mudanças nessas outras dimensões, exigiriam ainda mais outras dimensões? O que nos faz, nesse momento, aceitar essa regressão a um infinito multidimensional? Sobre tal regressão, a linguagem contemplando a si mesma reconheceria seus próprios limites, a saber, um paradoxo? Ou os limites da própria mudança, isto é, da própria natureza? Haveria, nessa instrospecção da própria natureza sobre si mesma, o imutável? Ou haveria mudança sem movimento no limite da existência, o devir como diria Heráclito?

Quais seriam as consequências para a ciência se realmente houver o imutável nos limites da natureza?

Pausa. Mas afinal, o que é mudança?

Antes de prosseguir, convém declarar alguns os termos.

Considere, no campo dos números inteiros, um sistema numérico ou pictográfico de base-n sendo n > 0 (mais detalhes no mathworld e no math.stackexchange), cujo(s) elemento(s) chamo de evento(s). Considere um universo-u, sendo u > 1, como o conjunto de todas as sequências e combinações possíveis do(s) evento(s) do sistema de base-n. Considere uma variável E, de tal forma que E sempre será igual a um evento, sequência ou combinação de eventos possível do universo-u. Conta-se uma mudança a cada vez que a variável E assume um valor diferente do anterior.

Tal abstração, mesmo amarrada matematicamente, pode ser aplicada nas ciências que lidam com problemas qualitativos, pois elas possuem uma dimensão matemática quando sistemas categóricos com n > 0 e u > 1 são utilizados, seja a partir de uma única categoria, com dois eventos variando dentro dessa categoria, ou a partir de duas categorias, com um único evento variando entre elas.

Dessa forma, reservo o termo “o ser”, para toda mudança apreendida por meio de tal pensamento abstrato. Adicionalmente, convém reservar ente para todo o mundo, todo mundo ou tudo no mundo passível de tal abstração:

  • seja no nível da pessoa (ou pessoas), do comportamento público ao privado, do andar à experiência sensível, do pensar lógico à imaginação livre, da base biológica e evolutiva ao processo fenomeńológico e irredutível;

  • seja no nível da gravidade, massa, e espaço-tempo no qual vivemos, isto é, um espaço geométrico com três dimensões e uma grandeza escalar com uma dimensão, e a relatividade geral ou especial dos corpos.

  • seja no nível da radiação eletro-magnética, o rádio, as microondas, a luz, os raios x e gama;

  • seja no nível do modelo padrão da física subatômica:

O ente, portanto, é condição necessária da abtração que é o ser.

Por fim, convém reservar o termo “imutável” para toda abstração cujo sistema numérico ou pictográfico seja de base-n, sendo n > 0, porém, com um universo-u sendo u = 0 ou u = 1. Em outras palavras, com um universo que só admite uma constante C como evento, note, invariável e perene.

A matemática só funciona para o que muda. A ciência também.

Se há o imutável seria necessário reconhecer que a matemática não é capaz de abstrair ao menos esse aspecto da natureza. Não há razão de ser em um sistema numérico que não permite variabilidade. A variabilidade exige, no mínimo, dois eventos. São necessários no mínimo dois eventos em um universo para se pensar matematicamente. Nesse sentido, apenas o pensamento sem amarras supera a matemática.

Mas o quanto as coisas estão mudando? De quantas maneiras diferentes podem mudar? Estão mudando e permitindo mais ou menos mudança? A entropia, então, apresenta-se como um instrumento. Mas essa é outra história.

_

Rafael Picanço, 15 de Agosto de 2015.