(Sen to Chihiro no Kamikakushi, 2001.)
Desconhecidos
Pareceu estar olhando na minha direção. Por entre os cabelos, um olhar desnorteado, cabisbaixo, um olhar. Não sei o que estava sendo visto, aliás, prefiro nem saber. E nesses tempos onde olhares não significam nada, o que mais eu poderia ter feito além de retribuir… com um olhar? Só para constar um olhar retribuído. Acredito que a esperança de conhecer grandeza, destreza e simplicidade, para além daquele lindo corpo retraído, me atiçou o facho. Num exageiro, acabarei eu como um archoteiro serviçal escravisado por aquela existência? Por conta daquele e apenas daquele breve olhar? Entorpecido pela esperança de grandes realizações?
Fazia um tempo desde a última vez que um calor como esse não invadia meus pensamentos calculistas com tanto ardor. O último semestre foi complicado demais e o embrulho no estômago agora é ainda mais forte. Uma leitura cuidadosa e com zelo exige um bom desprendimento dos prazeres mundanos e algum controle sobre si mesmo. Eu nunca terminaria um livro sequer se a todo momento devaneasse por uma barra de chocolate, uma hora de foda, ou por qualquer ideal de uma estimada companhia eterna. Nunca avançaria, mesmo devaneando sobre prazer no próprio trabalho. Os bons leitores encontram nas palavras a motivação para continuar lendo. Um prazer solitário, sem grandes méritos para além do raciocínio e da imaginação.
Nesses tempos, onde olhares não significam nada… um trabalho animador é para poucos. E todos esses olhares, por mais provocantes e românticos que sejam, acabam induzindo ambições solitárias. Da técnica mais áspera às ficções mais comoventes e inspiradoras. De todo esse sentimento, de toda emoção que só pude experimentar por meio do pensamento até então, qual o valor? Qual o valor de toda essa solidão?