Um exemplo concreto de regressão a média

o aleatório interferindo dia-a-dia


Se você não conhece o fenômeno da “regressão à média”, uma fonte rica de exemplos é o livro “Um andar do bêbado - como o acaso determina nossas vidas”, The Drunkard’s Walk - How randomness rules our lives, 2008, do físico americano Leonard Mlodinow. Logo no primeiro capítulo ele descreve de maneira excepcional como o psicólogo Daniel Kahneman esclareceu um aparente paradoxo, imaginem só, sobre o princípio do reforçamento ao longo de pesquisas realizadas com instrutores de vôo:

“Muitas vezes elogiei entusiasticamente meus alunos por manobras muito bem executadas, e na vez seguinte sempre se saíram pior”, disse o instrutor de voo. “E já gritei com eles por manobras mal executadas, e geralmente melhoraram na vez seguinte. Não venha me dizer que a recompensa funciona e a punição não. Minha experiência contradiz essa ideia.” (p. 15)

O fenômeno que esclarece esse aparente paradoxo sobre um princípio tão fundamental das ciências do comportamento é a regressão à média. O próprio Mlodinow prossegue:

(…) em qualquer série de eventos aleatórios, há uma grande probabilidade de que um acontecimento extraordinário seja seguido, em virtude puramente do acaso, por um acontecimento mais corriqueiro. Funciona assim: cada aprendiz possui uma certa habilidade pessoal para pilotar jatos de caça. A melhora em seu nível de habilidade envolve diversos fatores e requer ampla prática; portanto, embora sua habilidade esteja melhorando lentamente ao longo do treinamento, a variação não será perceptível de uma manobra para a seguinte. Qualquer desempenho especialmente bom ou ruim será, em sua maior parte, uma questão de sorte. Assim, se um piloto fizer um pouso excepcionalmente bom, bem acima de seu nível normal de performance, haverá uma boa chance de que, no dia seguinte, essa performance se aproxime mais da norma – ou seja, piore. E se o instrutor o tiver elogiado, ficará com a impressão de que o elogio não teve efeito positivo. Porém, se um piloto fizer um pouso excepcionalmente ruim – derrapar com o avião no fim da pista, entrando no tonel de sopa da lanchonete da base –, haverá uma boa chance de que, no dia seguinte, sua performance se aproxime mais da norma – ou seja, melhore. E se seu instrutor tiver o hábito de gritar “Seu jegue estabanado!” sempre que algum aluno tiver um desempenho ruim, ficará com a impressão de que a crítica teve efeito positivo. Dessa maneira surgiria um aparente padrão: aluno faz boa manobra, elogio tem efeito negativo; aluno faz manobra ruim, instrutor compara aluno a asinino em altos brados, aluno melhora. A partir de tais experiências, os instrutores concluíram que seus gritos constituíam uma eficaz ferramenta educacional. Na verdade, não faziam nenhuma diferença. (p. 16)

Pois bem, eu tive a oportunidade de ver e documentar um exemplo concreto desse fenômeno ao longo da coleta referente ao meu mestrado, com um macaco-prego chamado Negão como sujeito. Você pode conferir os dados com maiores detalhes, ou ler o artigo Symmetry Evaluation by Comparing Acquisition of Conditional Relations in Successive (Go/No-Go) Matching-to-Sample Training publicado no The Psychological Records. No caso do Negão, não cheguei a me encontrar com um paradoxo. Aconteceu que ele aprendeu a tarefa extremamente mais rápido do que o esperado, o que me levou a fazer diversas perguntas do tipo “O que está acontecendo? Será que a análise possui algum erro? Será que eu fiz algo especial? Será que eu fiz algo de errado?”. Permita-me ilustrar o acontecido com uma tirinha:

Um exemplo concreto de regressão a média

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Rafael Picanço, 8 de Setembro de 2015.